O nome do maior animal
terrestre da atualidade serve como luva para o capim-elefante. Ele chega a
atingir quatro metros de altura apenas seis meses após o plantio. De origem
africana, o capim-elefante foi introduzido no Brasil na década de 1920 e
é cultivado em todo o País, principalmente no sistema de capineiras. Colhido e
picado, é oferecido como alimento ao gado, geralmente durante o inverno, quando
a seca e o frio deixam os animais sem pastagem. Mas o grande volume de produção
tem despertado também o interesse de outro segmento: o de energia.
O capim-elefante pode
abastecer caldeiras, gerando vapor que movimenta turbinas e aciona um gerador.
É o que está fazendo a Sykué Bioenergya, empresa em São Desidério (BA),
colocando energia na rede de transmissão brasileira. Em Goiás, algumas
indústrias de cerâmica vermelha fizeram experiências na substituição da lenha
pela gramínea nos fornos. O capim-elefante também pode virar lenha
ecológica, por meio de um processo de compactação que o transforma em briquetes
ou péletes. Por fim, serve como matéria-prima de etanol celulósico, chamado de
2ª geração (2G). Como qualquer material vegetal, da celulose nele contida podem
ser extraídos açúcares que, fermentados, dão origem ao biocombustível que
abastece automóveis e até aviões.
O pano de fundo para o
esforço de instituições e empresas no desenvolvimento de tecnologia de cultivo
e processamento do capim-elefante para energia é a pressão pela adoção de
soluções menos impactantes do ponto de vista ambiental. A Conferência das
Partes (COP-20) realizada no Peru em dezembro de 2014 apontou a necessidade de
redução de 40% a 70% nas emissões de gases até 2050 para que não se supere os
2°C de aumento na temperatura média do planeta até o final deste século. O uso
de energia limpa, como a proveniente de biomassa do capim-elefante, está no rol
das alternativas buscadas.
Para o pesquisador José
Dilcio Rocha, da Embrapa Agroenergia (DF), a inserção do capim-elefante na
matriz energética nacional tem papel estratégico. Primeiramente, ele pode ser
uma ferramenta de descentralização da produção, permitindo a geração de
eletricidade e a produção de biocombustíveis em locais onde a construção de
hidrelétricas ou o cultivo de biomassas tradicionais não é possível. O
Ministério das Minas e Energia prevê a necessidade de aumentar a capacidade
instalada de geração de energia no Brasil dos atuais 124,8 GW para 195,9 GW até
2023. "Às vezes, a solução de que você precisa não é nacional, mas
regional", ressalta Rocha.
Bom manejo mantém produção por anos
Várias outras plantas,
como a cana-de-açúcar e o eucalipto, já são ou podem ser utilizadas nessas
aplicações. Por que, então, investir no capim-elefante? Alta produtividade é a
primeira resposta. O pesquisador Anderson Marafon, da Embrapa Tabuleiros
Costeiros (SE), diz que, com dois cortes anuais, extrai-se entre 150 e 200
toneladas de massa fresca por hectare cultivado, o que rende de 40 a 50
toneladas de massa seca.
Os estudos apontam que,
se o objetivo é produzir biomassa para energia, o primeiro corte do
capim-elefante pode ser feito seis meses depois do plantio – na cana-de-açúcar,
esse prazo é três vezes maior e, no eucalipto, chega a sete anos. Além disso, é
uma espécie perene. Se bem manejada, e somente assim, uma área cultivada com a
gramínea pode continuar rebrotando por anos a fio. Possibilidade de mecanização
da colheita e de manter um fluxo contínuo de matéria-prima ao longo do ano são
outras vantagens apontadas.
Na produção de tijolos,
telhas e outras cerâmicas vermelhas, algumas empresas começam a experimentar a
substituição de lenha por capim-elefante nos fornos. O Núcleo de Energias
Alternativas Renováveis do Governo do Estado de Goiás está apostando na
gramínea como biomassa para suprir o segmento, evitando os atravessadores na
aquisição de lenha e prevenindo o uso de madeira nativa. O gerente de
desenvolvimento do Núcleo, Victor Salomão de Pina, conta que um projeto para
fomento do uso da matéria-prima, especialmente na região de Anápolis, está em
desenvolvimento. "O principal desafio é o domínio da cadeia produtiva e a falta
de conhecimento técnico de quem pretende utilizar", comenta.
O capim-elefante também
se prestaria a ampliar a participação e diversificar as fontes renováveis de
energia no Brasil. Cada vez mais acionadas por conta dos prolongados períodos
de estiagem, a capacidade de geração em unidades térmicas, hoje, é de pouco
mais de 39 milhões de kW, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel). Desse volume, pouco mais de 30% vem da biomassa. O restante
tem como combustíveis produtos de origem fóssil, especialmente óleo diesel e
carvão mineral.
Entre as que utilizam
biomassa, predominam o bagaço de cana – que abastece principalmente as próprias
usinas sucroenergéticas –, e os resíduos da madeira. O capim-elefante já
aparece como combustível de duas empresas: uma no Amapá e outra na Bahia. Esta
última é a experiência mais emblemática de uso do capim-elefante para fins
energéticos no Brasil. Com capacidade instalada de 30 mil kW, a Sykué
Bioenergya começou a colocar em prática o projeto de transformar essa gramínea
em energia elétrica há três anos, com o plantio das primeiras mudas em São
Desidério.
A coordenadora de
projetos, Giovanna Rajoy, e o CEO da Sykué, Carlos Taparelli, revelam que
muitas dificuldades estão sendo encontradas na iniciativa pioneira. Mudas
inadequadas, produtividade abaixo do esperado, alta umidade e necessidade de
investimentos maiores que as premissas estão entre os problemas. Se há alguma
intensão de expandir o uso do capim-elefante para geração de energia? A decisão
só será tomada após alguns anos de experimento.
Giovanna e Taparelli
entendem que conhecer melhor o ciclo de produção e estabelecer rotas
tecnológicas para outros usos da gramínea – etanol, por exemplo – estão entre
as necessidades. O vice-presidente de Tecnologia e Desenvolvimento da
Dedini Indústrias de Base, em Piracicaba (SP), José Luiz Olivério, reforça que
conhecer a biomassa que serve de combustível é o fator mais importante para o
bom desempenho de um projeto térmico. "A riqueza da cana se produz no
campo; a usina tem a função de não perder aquilo que o campo fez",
compara.
A empresa do interior de
São Paulo foi responsável pelo planejamento e montagem da planta industrial da
Sykué. "Isso nos deixou bastante entusiasmados porque era um desafio
inédito; não existia, naquela época, nenhuma outra planta conhecida para
produzir energia elétrica a partir do capim-elefante", conta Olivério. O
mais complexo foi o desenho da estrutura para recebimento, estocagem,
processamento e transporte da biomassa até as caldeiras. A partir desse ponto,
a planta é bastante parecida com as já usadas para queima do bagaço de cana.
No campo
Desafios identificados
em São Desidério são alvo de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas em várias
Unidades da Embrapa, de forma integrada, com o objetivo de dar ao setor as
respostas de que ele necessita. Atualmente, a gramínea é cultivada em pequenas
áreas, utilizando variedades e sistemas de produção que têm como alvo a
obtenção de forragem.
A diferença começa na
composição do material que se deseja obter. Para alimentar o gado, o desejável
é uma biomassa rica em proteína que tenha, portanto, baixa relação carbono /
nitrogênio. Quando o objetivo é aproveitar o material como combustível, o que
se busca é justamente o contrário. "Esse resultado nós temos conseguido só
com o manejo, aumentando o intervalo de corte e reduzindo a adubação
nitrogenada", explica o pesquisador Francisco Ledo, da Embrapa Gado de
Leite (MG). Nessa Unidade, está o Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de
capim-elefante da Empresa, que reúne 120 variedades da forrageira.
A primeira ação da
Embrapa visando ao uso do capim-elefante como biomassa para fins energéticos
tem sido a avaliação das variedades de que já dispõe para identificar as mais
aptas. O pesquisador Antônio Vander Pereira esclarece que, embora o
desenvolvimento de variedades específicas para esta aplicação esteja no
horizonte de trabalho, não é preciso esperar anos. "Os materiais de que
dispomos já são altamente produtivos e se prestam à produção de energia",
garante. Em breve, deve ser lançada uma recomendação técnica nesse sentido.
As ações para
melhoramento genético também já começaram. Com um projeto inserido no portfólio
da Embrapa para o setor sucroenergético, os acessos do BAG estão sendo
reavaliados, buscando materiais com características desejáveis para futuros
programas de obtenção de cultivares. "Nossa intenção é gerar subsídios
para implantação de um projeto especifico para geração de energia com
capim-elefante", diz o líder do projeto Juarez Campolina Machado. Há uma
rede de instituições de pesquisa participando dos testes, em quatro regiões do
País: Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
A Embrapa Agroenergia é
uma das Unidades que participa desse projeto, caracterizando a biomassa dos
acessos pré-selecionados, em parceria com o Laboratório Multiusuário de Química
de Produtos Naturais da Embrapa Agroindústria Tropical (CE). Utilizando
ressonância magnética nuclear, está sendo investigada não apenas a composição,
mas também a estrutura química dos materiais. A pesquisadora Patrícia Abrão, da
Unidade de Brasília, explica que conhecer os teores de celulose, hemicelulose e
lignina não é suficiente para entender por que uma amostra dá melhores
resultados do que outra no processo de produção de etanol, por exemplo.
Descobrir quais são os monômeros que compõem cada uma dessas estruturas e as
ligações entre eles dá mais subsídios para a equipe de melhoristas trabalhar.
Já há também, na
Embrapa, trabalhos em que acessos do BAG estão sendo geneticamente cruzados,
buscando materiais com características desejáveis para fins energéticos. O
objetivo é obter novas variedades mais produtivas, tolerantes às pragas e
doenças e adaptadas às diferentes regiões brasileiras.
Grandes áreas
Outro desafio é a o
desenvolvimento de sistemas de produção em grandes extensões de terra. Para a
pesquisadora Letícia Jungmann, da Embrapa Agroenergia, este é um dos principais
gargalos, incluindo sistemas de colheita e pós-colheita. Atualmente, o
capim-elefante é cultivado em capineiras que ocupam pequenas áreas. Quando se
pensa em produção de etanol ou geração de bioeletricidade, no entanto, há
necessidade de muito material. A Sykué destinou cinco mil hectares para o
cultivo da gramínea; em seu site, a Flórida Clean Power anuncia a liberação de
500 mil hectares no Amapá para o mesmo fim.
Pereira, da Embrapa Gado
de Leite, lembra que o cultivo em áreas extensivas precisa de manejos adequados
para lidar, por exemplo, com problemas fitossanitários. É também estratégica a
obtenção de materiais com ciclos complementares, com colheitas em diferentes
épocas, de modo a garantir fluxo de produção de matéria seca o ano todo.
Na Unidade de Execução
de Pesquisa e Desenvolvimento de Rio Largo (AL), da Embrapa Tabuleiros
Costeiros (SE), pesquisas envolvendo o sistema de produção de capim-elefante
têm como objetivo oferecer alternativa de biomassa para a geração de
bioeletricidade nas usinas de açúcar e álcool, no período da entressafra. No
território alagoano, 25 usinas processam cana-de-açúcar e se valem da queima do
bagaço para gerar energia elétrica.
O pesquisador Anderson
Marafon aponta dois gargalos da etapa final do sistema de produção do
capim-elefante para energia: a colheita e a redução da umidade. Dois métodos de
secagem ao sol estão sendo testados: com o capim apenas cortado e
"deitado" no campo, ou com o material picado e disposto no pátio da
usina. Este último tem conseguido baixar a umidade de 70% para 50% depois do
quarto ou quinto dia exposto ao sol.
Quanto à colheita, os
testes da Embrapa buscam maquinário eficiente. Nas capineiras, o material é
colhido mais jovem e tenro, condição apropriada para alimentação animal. A
biomassa para energia, contudo, tem permanecido por cerca de seis meses no
campo. O capim, então, fica mais fibroso e duro e as colheitadeiras normalmente
utilizadas não são suficientemente robustas.
Etanol de capim
Ao mesmo tempo em que
uma equipe busca soluções para o aprimoramento da produção no campo, nos
laboratórios da Embrapa Agroenergia, o capim-elefante é matéria-prima sendo testada
na produção do etanol celulósico (2G) desde 2009. Os experimentos começaram com
a participação em um projeto liderado pelo pesquisador Marcelo Ayres, da
Embrapa Cerrados (DF), para identificar fontes alternativas de biomassa para a
produção sustentável do biocombustível. Nesse trabalho, o capim-elefante
figurava ao lado de outras forrageiras, sorgo, madeira e bagaço de cana, entre
as plantas com potencial.
A pesquisadora da
Embrapa Agroenergia Silvia Belém afirma que o capim-elefante adaptou-se muito
bem ao processo, apresentando características favoráveis. O volume de glicose
recuperado foi alto, com o emprego de menor quantidade de enzimas. Os
resultados dessa primeira experiência fizeram com que o centro de pesquisa
escolhesse essa gramínea, além do bagaço de cana, como matéria–prima em um
grande projeto que estuda formas de otimizar todas as etapas de produção do
etanol 2G.
Vivian Chies (MTb 42643/SP)
Embrapa Agroenergia
agroenergia.imprensa@embrapa.br
Embrapa Agroenergia
agroenergia.imprensa@embrapa.br
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/
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