Dilma Roussef recebeu 48,366% dos votos apurados. Isto
significa que a maioria dos eleitores que compareceram às urnas (51,633%) lhe
negaram um segundo mandato. Devemos lembrar, contudo, que a dimensão aritmética
da democracia legitima igualmente a vitória por esmagadora maioria e a vitória
por margens tão diminutas. Entretanto, há um significado atemorizante – ao
menos para quem deseja à presidente reeleita um governo mais eficiente e menos
envolto em “malfeitos” – extraível das circunstâncias desta reeleição.
Em 2010 a oposição e parte da imprensa a chamavam de
poste. Faziam-no para destacar sua irrelevância política e iluminar o fato de
que a luz-que-atrai-votos pertencia a um outro ator, que fingia sair de cena
para, ungindo a sua ministra, elegê-la Presidente da República sem abandonar os
cordéis. Desde o primeiro dia de 2011, o que se viu foi a aplicação de técnicas
de usurpação do mandato presidencial.
Dilma Roussef iniciou seu primeiro mandato politicamente
constrangida, o que a fez submeter-se às exigências de seu próprio partido e
também as de sua enorme, indisciplinada e venal base de apoio no Congresso.
Além de aceitar ministros impostos pelo “dono da luz”, o poste teve de ampliar
o número de ministérios para acomodar os anseios nada republicanos dos que a
apoiavam. Se não sabia, Dilma, em seu voluntarismo, teve de aprender que, em
contextos assim, a política é um jogo de xadrez em que a ética vive em
xeque-mate.
E o contexto não se alterou significativamente. Quase
abandonada por Lula e parte do PT às próprias limitações políticas, como forma
de punição por seus rompantes de independência, a presidente por pouco não
fracassou em sua tentativa de reeleição. Saiu das urnas sendo obrigada a adotar
tons conciliatórios, não por que seja seu perfil, mas porque as luzes continuam
vindo de outras fontes. Refém estava, refém continuará.
Hostilizada silenciosamente por parte de seu próprio
partido, chantageada por sua base de apoio parlamentar e enfrentando a ira da
oposição, Dilma Roussef não governará segundo seu programa, coisa que já não
fez no primeiro mandato. Outra vez governará, não segundo seus princípios
morais, mas de acordo com os princípios que orientam profissionais da política,
tais como Renan Calheiros, Henrique Alves e Eduardo Cunha, para citar apenas
alguns dos nomes que se movimentam em nome do sistema representativo sem
qualquer compromisso com os fundamentos constitucionais do instituto da
representatividade.
Dizia o poeta que ninguém é mais escravo do que aquele
que se considera livre sem sê-lo. Dilma decerto não se considera livre, pois
tem consciência de seus senhores. Sabe também que interesses movimentam os
servos da soberania oculta que se esconde nas falhas da democracia. Mas sua
consciência não lhe fortaleceu, ao menos até aqui.
A refém eleita para presidir o Brasil pouco poderá fazer
para imprimir ao novo mandato uma marca distinta daquela exibidas nos últimos
quatro anos. O presidencialismo como conhecemos, enquanto assentado nas regras
vigentes, está fadado a produzir párias do poder que ostentam a pompa funcional
enquanto não passam de serviçais de interesses quase sempre contrários à ética
inscrita nas normas constitucionais.
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